Numa dessas palestras que dei pelo país, certo aluno de teologia questionou a amizade que C.S. Lewis tinha com Charles Williams, autor, revisor e autodidata, que muitos consideram ocultista e praticante de ritos de magia, além de ser membro da seita Rosa Cruz.
Primeiro, é preciso considerar que realmente esse último autor me pareceu bastante obscuro quando o li e é possível que aqueles que o tomam como ocultista tenham razão. Mas eles não param por aí. A partir disso eles concluem que não só Lewis tinha amizade e admiração por esse “Inkling” (nome do grupo de discussão fundado por J.R.R. Tolkien e Lewis), como também era simpatizante ou até participante de suas ordens ocultistas.
Essa amizade também serve de base para a alegação de que os livros de Lewis, particularmente as “Crônicas de Nárnia” e suas imagens pagãs, a figura da feiticeira e o uso da palavra “magia” para o poder redentor de Aslan, demonstram a sua adesão a práticas de magia negra e o culto a Satanás.
Ou seja, C.S. Lewis, por ter sido amigo de um satanista, também seria ele mesmo um satanista e dos mais perigosos: ele seria um satanista infiltrado no meio cristão, um “demônio” vestido de anjo de luz!
Posto isso, gostaria que se atentasse para alguns fatos: primeiro, a amizade de Lewis com Charles Williams começou em 1936 e foi interrompida pela morte súbita de Williams, em 1945, ou seja, ela durou menos de dez anos. Essa não era a única amizade de Lewis. Em “O Dom da Amizade: J.R.R.Tolkien e C.S. Lewis”, de Colin Duriez (Martins Fontes) especula-se que um dos poucos motivos de briga entre os dois tinha relação com a amizade de Lewis com Williams, de quem Tolkien não gostava muito.
Em segundo lugar, a amizade foi em grande parte profissional. Williams era revisor dos textos de Lewis para publicação pela editora da Universidade de Oxford, principalmente de sua tese de mestrado, “The Allegory of Love” (A Alegoria do Amor, tradução minha para o português pela É-Realizações Editorial). As cartas que ambos trocaram nesse curto período de tempo pouco falam de teologia, porém mais de literatura, que era o campo acadêmico de Lewis.
Terceiro: na primeira carta que Lewis escreveu para Williams, além de elogiar muito os escritos de Williams, ele também admitia que achava o seu estilo de escrita bastante “complicado”. Em outras palavras: Lewis não o via com olhos acríticos.
Quarto: nem todos os “Inklings” eram cristãos. Owen Barfield, por exemplo, era adepto da antroposofia. Na verdade, o grupo praticava o que hoje se chama “diálogo religioso” e “inclusivo”, ou seja, o tratamento igualitário no que diz respeito à religião de cada um. Prova viva disso é a própria amizade entre Tolkien (um católico fervoroso) e Lewis (um anglicano). Nisso, eles se espelhavam no jornalista católico, G.K. Chesterton, que tinha amizade com os seus maiores adversários em termos religiosos, como George Bernard Shaw, um ateu “relutante”, mas convicto.
Aliás, a teologia praticada no grupo visava atentar para os pontos comuns entre as religiões, mas particularmente, entre as vertentes do cristianismo.
Então, o fato de Lewis ter tido amizade com um adepto de seitas ocultistas não quer dizer que ele aderia a elas. O fato de Jesus ter se assentado à mesa com os pecadores (que somos todos nós), não quer dizer que ele mesmo fosse pecador ou que aderia à prática do pecado.
Para entender melhor as relações de C. S. Lewis com o ocultismo e seu claro posicionamento contra o mesmo após a sua conversão, leia “O Mais Relutante dos Convertidos” (Editora Vida), de David C. Downing.
Finalmente, é preciso considerar que um “infiltrado”, via de regra, (veja todos os filmes que você já tenha assistido e os livros que já tenha lido) é o agente do bem, em um meio mal, e não vice-versa. Um filtro normalmente serve para purificar (a água, por exemplo) e não para poluí-la.
Já pensou um bandido “infiltrar-se” no meio dos policiais? Será que ele lutaria contra o crime com tanta paixão e engajamento quanto um policial? Ele pode até prender bandidos, mas sempre com a intenção de liberá-los em algum momento e acabaria sendo desmascarado pelos policiais, ou morto pelos colegas bandidos se prendesse muitos deles. Lewis lutava contra as artimanhas do diabo (veja “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”, Editora Martins Fontes) e não comungava com elas. No prefácio desse livro, Lewis comenta que há duas formas de pensar sobre o Mal que “agradam ao Mal”: pensar que ele não exista; ou então, no extremo oposto, pensar que ele seja o dono do pedaço, que seja preciso “amarrá-lo” para escapar de seus poderes mirabolantes.
Encerramos com esse pensamento de Lewis em “Cristianismo Puro e Simples” (Martins Fontes): “um território ocupado pelo inimigo – assim é esse mundo” (p. 61) .O agente infiltrado é Deus, não o mal. Este não tem a competência para infiltrar-se, e nem o faria, por medo de ter que fazer o bem. A quantidade de pessoas a quem Lewis fez e continua fazendo bem é tão grande, que qualquer Satanás empalideceria de raiva.
Por Gabriele Greggersen
Mestre e doutora em educação (USP) e doutoranda em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
fonte: http://www.ultimato.com.br/conteudo/c-s-lewis-satanista-infiltrado
Slideshow
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
Simonami e a dor de uma canção
A ela pedi que me explicasse o disco. Muitas vezes, o artista cria, sem saber muito bem explicar o que criou. Simplesmente faz e parece um processo tão fácil que chega a dar inveja. Quando insisto, eles têm de se debruçar racionalmente sobre o que criaram e revelam-se para nós e para eles mesmos.
Eis alguns trechos do depoimento-reflexão de Lilian Soares sobre Então Morramos, da Simonami, que teve a produção de Vinícius Nisi:
O álbum
“Juntamos todas as nossas frustrações e angústias pra jogar na cara de todo mundo. Eu tenho a sensação de que era mais ou menos isso o que a gente queria dizer no primeiro trabalho mas faltaram palavras, memórias, sei lá o quê.
‘Soledad’, ‘Ampulheta’, ‘Fantasma’, ‘Pedido ao Pássaro’, ‘Janela’, ‘Irmã’, são alguma ‘ressignificação’ das nossas vidas. De todo tipo de dor, das solidões que vivemos, das mágoas, das mortes que vivemos, e de como em família (que é como a gente se considera) vivemos todas essas coisas.
É um retrato do nosso estômago, das nossas entranhas. Queremos muito que essa dor alcance um planeta inteiro. Para desordenar algumas coisas e reordenar outras. Talvez esse seja um dos atributos da obra de arte.”
Os donos de cada “poema”:
“‘Soledad’, ‘Janela’, ‘Irmã’, ‘Sin Premura’ são da Lay, a quem a gente adere sempre mais. Ela está longe, em Londrina, escreve como ninguém. É uma forma de a gente preencher esse vazio da falta dela aqui em Curitiba e de dar voz pra tudo o que ela tem pra dizer.
‘Coisas da Escolinha’ e ‘Ampulheta’ são do Shan. ‘Ampulheta’ nasceu enquanto o Então Morramos ia acontecendo. ‘Coisas da Escolinha’ estava entre a gente há tempos e tinha virado tão xodó que resolvemos colocar no conglomerado também!
‘Fantasma’ e ‘Pedido ao Pássaro’ Jean escreveu. Toda a banda considera a ‘Pedido ao Pássaro’ a melhor coisa que ele já escreveu na vida. Somos apaixonados pelo refrão.
E eu escrevi ‘nós-um’ pra ele, hehe. A gente fez juntos, na verdade, porque eu sou muito ruim de violão. Escrevemos pro nosso tal ‘save de date’ do casamento (casamos em abril desse ano).”
Vinícius Nisi e a produção
“Nasceu um carinho muito grande pelo Vinícius durante a gravação. Ele fez tudo com um empenho sem tamanho. Abriu a nossa cabeça e os nossos corações pra tirar as nossas referências de lá e nos entender.
Ele passou horas ouvindo Bon Iver, Sean Carey, Fleet Foxes, novidades que a gente jogou na cara dele, ahahahha. Aí ele nos entendeu.
Pedimos pelo amor de Deus pra não gravar do jeito convencional, sabe? aquele em que se grava primeiro a voz, depois a percussão, depois os violões, um por vez, com metrônomo?
O Nisi acolheu e deu vida pra ideia maluca de montar 10 microfones de estúdio todos juntos e gravar a gente tudo junto ao mesmo tempo. Uma ou outra coisa foi gravada depois, mas só os microdetalhes, tipo um sininho. Nossas vozes foram cantadas todas ao mesmo tempo. Acho que essa energia está aí.”
Lo-fi
“Queríamos muito que as canções não ficassem plastificadas, corretíssimas, nítidas, acentuadas pelos programas de computador que corrigem coisas. Somos nós aí, nus e crus. O Nisi é um baita dum profissional, então ele usou os botões da pós-produção sem tirar isso da gente. Está sem artificialidades. Está essencialmente a gente.
Achei que o pessoal não fosse entender essa cara de ‘gravado no quintal’, o tal do lo-fi, mas acho que as pessoas andam com a sensibilidade ativada mesmo…
Eu podia te contar o que motivou cada composição, mas em cada música mora um feitiço maluco que acontece quando a nossa história encontra a história de quem tá ouvindo e desmistificar isso seria um crime. A gente resolveu com votação em reunião que não ia mais explicar música pra não matar a imaginação de quem recebe as canções.”
Fonte:Publicado em 25/09/2013 | LUIZ CLAUDIO OLIVEIRA - LUIZS@GAZETADOPOVO.COM.BR
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