Hoje quando acordei percebi que o
mundo estava diferente de ontem, do tempo da minha infância. O passado
ficou para trás. Eu não sou mais o mesmo, as pessoas também não são mais
as mesmas, muitas até já se foram. Às vezes dá saudade dos tempos
antigos, da fase da inocência. Mas o que preocupa mesmo são os tempos
que virão. Se pudéssemos imaginar como seria o futuro descobriríamos que
ele nunca chega e que quando nos damos conta ele já passou, e foi tão
rápido que não deu tempo nem de vê-lo. Ainda bem! Talvez, se pudéssemos
ver ao menos a silhueta dos tempos vindouros o desastre poderia ser
maior, pois descobriríamos que o futuro não é como imaginamos. Nunca se
sabe o que vai acontecer adiante, pois o mundo não para de girar e o
relógio prossegue afoitamente em seu trabalho sem cessar, empurrando os
ponteiros que atiram para todos os lados, como setas, nos atingindo com
os mistérios do amanhã, enquanto achamos que aprisionamos o tempo em
calendários, programando a vida, pré-estabelecendo a rotina, sem saber
se o dia de amanhã virá. Será que estamos virando robôs ou não estamos
bem programados?
Durante a noite sonhei com a
morte, pensei na vida e descobri que ninguém está livre de se encontrar
com o seu medo. Descobri que o homem não tem medo da morte, mas do que
virá depois dela. O medo do desconhecido torna a vida uma grande
produtora de adrenalina que nos arrebata aos pensamentos mais secretos
sobre o outro lado da vida e nos torna conscientes de que a fatalidade
mora ao lado da prudência e a morte nada mais é do que o embrião da
vida, pois quando morremos é que nascemos, e quando nascemos da morte é
que vivemos. Mas existe uma condição para que seja assim e ao menos que
ela seja desrespeitada, então a morte pode se tornar um monstro
intransponível que, mais do que assustar, pode possuir a vida e torná-la
extinta por toda a eternidade.
Tentamos dominar o tempo e
esquecemos que ele está prestes a ter um fim. Enjaulamos nosso medo da
morte no recôndito de nosso ser tentando exonerar a incerteza do que
virá com uma fé que muitas vezes não é suficiente para nos trazer a
certeza sobre o amanhã e a vida, e esquecemos que no porão de nossa alma
existe um monstro maior ainda, que somos nós mesmos. O nosso eu que
quer pecar e se satisfazer dos desejos mais repugnantes que se possa
desejar, se contrapondo a santidade e a justiça que ainda pode envolver o
ser humano. É esse monstro que percebe o tempo acabando e se lança como
um animal selvagem sobre o monturo da irracionalidade humana e se
alimenta do opróbrio do ser mais importante da criação. Porque somos
assim?
A vida é apenas uma experiência
que serve para nos moldar a um padrão inexistente nesse mundo. Muitos
tentaram com vãs filosofias, dogmas e doutrinas, teorias, misticismo e
muitas outras formas, padronizar a vida que nem mesmo eles entendiam.
Criaram regras, estabeleceram hierarquias, desrespeitaram o sagrado e
mataram uns aos outros, fizeram terrorismo na tentativa de manipular a
vida que desconheciam. Não adianta tentar entender, é preciso viver, e
viver cada dia como se fosse o único, na busca de compreender a si
mesmo, em seu verdadeiro conceito, na plenitude de sua intensidade. A
vida está dentro de cada um e nada mais é do que a liberdade da alma de
poder, em sua verdadeira essência, experimentar emoções latentes em si
mesma.
O mundo quer controlar a vida, a
morte quer seu fim e a vida quer somente ser vivida. Ontem eu dormi
mais novo e amanheci mais velho. O espelho não me deixa enganado. A
agitação da rotina me convence disso e o tempo apenas passa e me leva
com ele, como um prisioneiro, acorrentado a ele com passagem só de ida,
rumo ao encontro da bendita morte, o fim da gestação de um ser e o
início de uma “desconhecida” vida, de um novo indivíduo. Já não penso
nas coisas de menino, nem vivo como um. Minha semente já está plantada
nessa terra e dará continuidade a vida, a essa vida que eu quero
entender... e morrer... e finalmente viver, sem o monstro da morte me
perseguindo, sem as incertezas do amanhã.
A vida que foge de nossas mãos é
a mesma que nos conduz como cativos do tempo que passou, que vivemos e
do tempo que virá. O tempo que queremos controlar é o mesmo que corrói
nossa existência, deteriorando o vigor, corrompendo a saúde, e que nos
arremessa nos braços da morte. E a morte?! Ah! A morte nada mais é do
que a libertação. Deixamos de ser "homens empalhados, almas sem feitio,
mentes com falhas" para enfim gozar da plenitude da existência em sua
totalidade, experimentando de forma definitiva a integralidade do ser.
Contudo sem interferir no tempo
individual, cada um precisa viver seu próprio tempo, pois basta à cada
dia o seu próprio mal, deixando nas mãos do Criador o poder de decidir a
hora do nascimento para a eternidade ou a morte definitiva de cada
indivíduo, sabendo que isso é o resultado de uma escolha feita nessa
vida, a de se permitir então ser controlado somente pelo dono do tempo,
da morte e da vida. Mas "quando foi que ajoelhamos? Quando foi que
chamamos Deus de pai? Na verdade, não somos bons filhos!"
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